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sexta-feira, 15 de julho de 2005

Existe um outro Brasil

Texto do jornalista Ricardo Kotscho, publicado no site No Mínimo (link abaixo do selo ORO), em 10/07/2005:

De Natal a Mossoró, cidade de 250 mil habitantes na região oeste do Rio Grande do Norte, quase na divisa com o Ceará, são 270 quilômetros de um outro Brasil que não sai nos jornais. Como tem chovido bastante, as terras do sertão às margens da estrada estão verdes e, os açudes, cheios. Teimosos, agricultores de todos os tamanhos voltaram a plantar de tudo, depois de mais uma temporada de seca brava.

Vamos passando por pequenas cidades de nomes bucólicos - Caiçara do Rio dos Ventos, Angicos, Assu - de ruas limpas e casas caiadas, sem sinais da miséria comum às margens das estradas nos grandes centros do país. O que mais chama a atenção, além da profusão de bodes trafegando placidamente por toda parte, são as enormes tubulações que margeiam a BR-304. É que estamos entrando no maior campo petrolífero terrestre do país, com uma produção diária de 104 mil barris.

Faz 25 anos que, ao perfurar um poço para abastecer de água quente a piscina do Hotel Thermas, jorrou óleo em Mossoró. De lá para cá, multiplicaram-se os sheiks do sertão, como são chamados os proprietários das terras onde a Petrobrás foi perfurando novos poços. Nunca tinha ouvido falar disso. Com os royalties que recebem, estes agricultores, muitos deles humildes e analfabetos, puderam mandar seus filhos para boas escolas, que se espalham pelas principais cidades da região. Quer dizer, melhoraram de vida. Alguns chegam a ganhar mais de 100 mil reais por mês.

Antes desta descoberta, Mossoró era conhecida por suas salinas, ainda hoje responsáveis por 92% da produção brasileira de sal. Mas, com o petróleo, a paisagem mudou. No caminho, fico sabendo que ainda está em produção na área do hotel, próximo ao centro da cidade, o poço pioneiro de petróleo - hoje uma atração turística ao lado de um conjunto de piscinas de águas termais que atingem temperaturas de até 54°.

O sertão virou atração turística. Além do sal e do petróleo, a região tornou-se importante pólo de fruticultura (melão, melancia, manga e banana tipo exportação). Tem também o “Costa Branca”, um projeto integrado de desenvolvimento espalhado ao longo de mais de 100 quilômetros de praias, salinas e dunas no roteiro que liga Natal a Fortaleza.

Mas o que mais tem atraído gente de fora são as festas típicas que atravessam todo o ano. Além das tradicionais vaquejadas e festas juninas, a cidade promove, em junho, um teatro ao ar livre chamado de Chuva de Balas no País de Mossoró (em comemoração á vitória da cidade contra o bando de Lampião, em 1927). Em julho, tem a Festa do Bode. Depois vêm o Auto da Liberdade e o Cortejo de 30 de setembro, ambos comemorativos à luta libertadora dos escravos da região, cinco anos antes da princesa Isabel assinar a Lei Áurea. O Oratório de Santa Luzia, em dezembro, é outro espetáculo de teatro, música e dança que conta a vida da padroeira da cidade e termina com uma procissão acompanhada anualmente por cerca de 100 mil fiéis.

A maioria dos eventos é inspirada na luta libertária dos mossoroenses. O povo de lá é orgulhoso, com razão. Ainda em 1927, poucos meses depois da vitória sobre Lampião, a professora e juíza de futebol Celina Guimarães tornou-se a primeira mulher brasileira a se habilitar ao direito do voto, quatro anos antes deste direito ser implantado em todo o território nacional - antes até de países como a Inglaterra.

Passei a noite em claro, viajando de Mossoró a Natal, para depois fazer conexão no Recife e chegar a tempo de participar, no dia seguinte, do seminário dos 80 anos do jornal “O Globo”, no Rio de Janeiro. Mas valeu a pena. Se a gente não sai da toca para ver de perto o que acontece fora do eixo Brasília-Rio-São Paulo, por estes muitos Brasis espalhados por aí, não dá para ter uma idéia da riqueza do país em que vivemos, nem a oportunidade de comer um fantástico guisado de bode num restaurante de beira de estrada.

Pois foi exatamente sobre isso que acabei falando no seminário do “Globo”, que tinha por tema Imprensa e Poder. Diante de uma platéia atenta e interessada, formada principalmente por jovens, procurei sair um pouco do assunto para mostrar que na nossa imprensa, de uma forma geral, temos Brasília demais e Brasil de menos no noticiário. É muita politicagem, muito gabinete, muito bastidor, muita futrica, muito jornalismo declaratório e pouca reportagem para contar o que está acontecendo - de bom ou de ruim - no restante do país.

Não é possível que num país do tamanho do nosso, com seus 180 milhões de habitantes, só tenha coisa ruim acontecendo todos os dias em todos os cantos e setores da vida nacional. Será que não tem nada dando certo, ninguém fazendo alguma coisa que preste, nenhuma história que faça o leitor rir, se emocionar, se sentir feliz por estar lendo aquela notícia?

Meus colegas de mesa no seminário, os jornalistas Merval, Moreno e Mineiro, todos do “Globo” e meus amigos, argumentaram que a crise política tinha chegado a tal ponto que ninguém falava mais de outra coisa. Tudo bem, mas se, nós, jornalistas, tratamos de um assunto só em todos os jornais, telejornais e revistas, por mais grave e necessário que seja, é claro que nossos leitores e telespectadores também não terão outro assunto para falar.

O fato é que, apesar de todas as denúncias e desgraças, violências e corrupções, um outro Brasil existe. É um país feito também de gente como os orgulhosos e felizes habitantes de Mossoró - e é nele que vivemos e queremos continuar vivendo.

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2 Comments:

At 15/7/05 23:30, Anonymous Anônimo said...

Oi, Cilim.
Mossoró, então, não produz somente sal. Produz, também, e principal-
mente coisas boas, como os bons momentos de nacionalidade (além de petróleo), como o direito da mulher votar (até antes da Inglaterra, imagine!). Este, sim, é o Brasil que nós queremos e que nós temos, só que sem propaganda (ou "ídia" como querem os "donos" da boa terra: Brasil). Continúi, Cilim, trazendo-nos cultura e conhecimento.
Abraços para todos.

 
At 15/7/05 23:31, Anonymous Anônimo said...

Oi, Cilim.
Mossoró, então, não produz somente sal. Produz, também, e principal-
mente coisas boas, como os bons momentos de nacionalidade (além de petróleo), como o direito da mulher votar (até antes da Inglaterra, imagine!). Este, sim, é o Brasil que nós queremos e que nós temos, só que sem propaganda sensacionalista (ou "mídia" como querem os "donos" da boa terra: Brasil). Continúi, Cilim, trazendo-nos cultura e conhecimento.
Abraços para todos.

 

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