Um dia na vida da CPI
Escrito por Dalila Góes*, da Revista TPM
São dez da manhã e o seu Delúbio já chegou. Está numa salinha de sofá marrom vigiada por um moço que, tenho certeza, herdou o paletó do avô mais gordo e muito mais baixo. Sobra pano, a calça é quase "santro-queixo", e o cabelo… Bem, CPI é coisa de carecas, semicarecas ou despenteados. Ali, o único no grau é Aceemezinho, o neto baixinho do Aceemezão, que não masca chicletes desde que a colunista Danuza Leão questionou onde ele guarda os bubbaloos enquanto fala.
Hoje é quarta, 20, Delubio’s day, o cara que tinha a chave do cofre do PT, o ex-tesoureiro. Entro no anexo 1 do Senado às 7h da madrugada e, acreditem, o lugar já está fervendo. A tia do café avisa que vai servir a segunda garrafa do dia enquanto a senadora Heloísa Helena brinca de encher buraco nos jornais da manhã. É assim: ela passa, o colega chama, combinam uma pergunta e Heloísa fala, fala, fala e fala. É conhecida nos corredores do Senado como a Aracy de Almeida da CPI. Esculhamba com Deus e o mundo, mas tudo no maior respeito, claro, e o povo corre só para vê-la apontar o dedo na cara do interrogado. A probabilidade de ela gritar "Vossa Excelência me respeite", com o sotaquezão alagoano, é de 95%. Show!
Onyx Lorenzoni também é campeão de audiência. Sabendo disso capricha no gel para maquiar a careca. Na opinião da Carla, 9 anos, filha da faxineira do terceiro andar, é o tio mais bonito e legal porque sempre deseja bom-dia, boa-tarde, boa-noite e não se importa se as crianças bagunçam a CPI alheia. "Mas sempre fico quietinha na porta. Só trouxe uma amiga uma vez, porque a comadre da minha mãe ia fazer entrevista no Carrefour e a Maryanne não podia ficar sozinha ..."
De longe vejo o Severino. Não o presidente da Câmara, mas o garçom, clone do presidente, e figura tão importante quanto. Se Severino garçom está na área é porque o show já vai começar. É ele quem serve a água, a Coca light e o café do povo da mesa. Gente muito fina. Importantíssimo. Osmar Serraglio, o relator, escreve qualquer coisa em um folhinha de caderno. Conversa ao pé do ouvido com Romeu Tuma. Os dois riem. Chega Delcídio Amaral, entra ainda se arrumando, penteando o cabelo e faz o sinal-da-cruz. Tuma levanta, estava sentado justamente na cadeira da autoridade. Ainda no meio de gente falando alto, parlamentar de pé e gritando no celular, assessores flanando, o senador inicia os trabalhos com a questão de ordem.
As câmeras ainda não estão ligadas e deputados e senadores reclamam de tudo. Reclamam porque chegaram muito cedo, reclamam porque um suplente falou no lugar de um titular, reclamam porque souberam de tal assunto pelo jornal, reclamam porque muitos colegas não prestam atenção e fazem perguntas repetidas. A pendenga dura 15 minutos e ninguém resolve nada. Silêncio. Agora é pra valer. Não, não é. Antes de começar, a mesa agradece a presença de alguns promotores, procuradores, advogados e fulanos de tal. Só faltou mandar beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você.
Agora sim, de câmeras ligadas e no meio de flashes, entra Delúbio. Osmar Serraglio finalmente revela ao mundo o que tanto escrevia no papel de caderno. Em um surto de inspiração cita Raul Seixas, o filósofo Cícero, padre Zezinho (aquele do um dia uma criança me parou, olhou-me nos meus olhos a sorrir… lá lá lá lá ) e ainda invoca John Lennon. Em pausas cansadas, quase chora: "Senhor Delúbio, não vamos perder tempo. Diga a verdade. Será que o sonho acabou?". Será?
20 de julho, 21h31. Já fui e voltei do Congresso Nacional duas vezes e Delúbio Soares ainda presta depoimento na sala lotada da CPI. O ex-tesoureiro do PT já confirmou o caixa dois e tenta isentar dirigentes do governo. Das 10h31 até agora já foram servidos 42 sanduíches mistos, 70 litros de café e 150 de água e 30 garrafas de Coca-Cola. Cinco deputados ainda esperam para falar.
* Dalila Góes é jornalista, tem 30 anos, acha que Brasília é o melhor lugar do mundo - sim, ela conhece outras cidades - e em dias de CPI recomenda o banheiro do segundo andar e o restaurante do décimo. Não, ela não está levando uma mala de dinheiro para fazer propaganda disso.
1 Comments:
Oi, Cilim.
Gostei do estilo dessa Dalila Góis legal. Fala com desenvoltura, descrevendo tudo com tal exatidão que a gente até "vê" os sorrisos e trejeitos das faces. Valeu a transcrição, que, dependendo de mim, jamais encontraria êsse bem escrito artigo em algum jornal. Você demonstra cabalmente ser um "expert" em selecionar assuntos (mesmo que batidos como os das CPIs).
A propósito, com um pouco de indiscrição e curiosidade, visitei o favorito de RA, Luana Piovani. Achei legal. Bom, hoje não falarei do desgoverno Lula. Fico por aqui com um abraço para todos daí.
Acácio.
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