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terça-feira, 6 de março de 2007

Notícias de um aniversário



O deus de Macondo

Do El País, publicado no UOL Mídia Global

Deveria chamar-se Olegário. Acabavam de tocar os sinos da missa das 9h quando os gritos da tia Francisca abriram espaço entre o ruído do aguaceiro enquanto corria pelo corredor: "É homem! É homem! Corram que se afoga!" E novos gritos envolveram a casa. Uma vez libertado do cordão umbilical enrolado no pescoço, as mulheres correram para batizar o menino com água benta. A primeira coisa que lhes veio à cabeça foi chamá-lo Gabriel, pelo pai, e José, por ser o patrono de Aracataca. Ninguém se lembrou do santo do dia. Do contrário, teria se chamado Olegário García Márquez.

Naquele domingo, 6 de março de 1927, Aracataca celebrou a chegada do primogênito de Luisa Santiaga e Gabriel Eligio. Mas na realidade para os "cataqueiros" tinha nascido o neto de Tranquilina Iguarán Cotes e do coronel Nicolás Ricardo Márquez Mejía - os avós maternos, com quem ele se criou até os 8 anos, em uma terra coberta de bananeiras sob o sol impiedoso do Caribe colombiano. Foi um menino num casarão de mulheres, amordaçado pelas crenças de além-túmulo da avó e as lembranças de guerras do avô - os anos das vivências que o tornaram universal em 1967, quando publica "Cem Anos de Solidão". Apesar de ele acreditar que a história que não embotará seu nome no esquecimento é a de seus pais, recriada em
"O Amor nos Tempos do Cólera".

É a história real onde tudo começa. A dos felizes amores contrariados que há 80 anos transformaram Gabriel José García Márquez no primeiro de sete homens e quatro mulheres,
e que daria vida a tantas coisas.

UM ESCRITOR: Foi sua avó quem lhe permitiu descobrir que ia ser escritor? "Não, foi Kafka, que, em alemão, contava as coisas da mesma maneira que minha avó. Aos 17 anos, quando li 'A Metamorfose', descobri que ia ser escritor. Ao ver que Gregorio Samsa podia despertar certa manhã transformado num gigantesco inseto, disse a mim mesmo: 'Eu não sabia que era possível fazer isso. Mas se é assim, escrever me interessa", contou o autor a Plinio Apuleyo Mendoza, em "El Olor de la Guayaba".

UM JORNALISTA: Começou no diário "El Universal" de Cartagena de Índias em 1948, continuou no "El Heraldo" de Barranquilla e depois no "El Espectador", de Bogotá. Ryszard Kapuscinski disse: "Embora tenha uma enorme admiração por suas novelas, considero que a grandeza de García Márquez se baseia em suas reportagens. Suas novelas provêm de seus textos jornalísticos. É um clássico da reportagem com dimensões panorâmicas, que tenta mostrar e descrever os grandes campos da vida ou dos acontecimentos. Seu grande mérito consiste em demonstrar que a grande reportagem também é
grande literatura".

UMA LINGUAGEM: "É como se a linguagem fosse feita para contar histórias, para mudar o mundo aterrorizante, para mergulhar o homem, sem que o perceba, nos vales confortáveis do sonho. Como se fosse um grande caleidoscópio que mostrasse a realidade dos cacos coloridos, mas organizados em encaixes vistosos, mágicos, cambiantes, multiplicados pelos espelhos enganosos", explicou Ricardo Escavy Zamora, da Universidade de Murcia, no congresso Quinhentos Anos de Solidão.

UM ESTILO: Carlos Monsiváis considera que "em seus livros clássicos se extrema uma certeza: graças à beleza do idioma - a perfeição de seu som, a sucessão de frases 'imelhoráveis' -, os fatos adquirem outro relevo, são relatos que, se não se dão com essas palavras, se transformam em algo diferente. Para García Márquez, escrever bem não é uma exibição de dons estilísticos; é acrescentar a noção épica do idioma às épicas existentes".

MACONDO: O território literário onde transcorre grande parte de sua criação é citado pela primeira vez em 1955, em "Monólogo de Isabel Fazendo Chover em Macondo". Mas sua fama chega em "Cem Anos de Solidão": "Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos".

OS BUENDÍA: É a estirpe protagonista de sua obra mais famosa. "Nenhum deles é vulgar. Levam pregada nos rostos a irremovível máscara da singularidade. E, talvez por causa de seu desempenho cênico, têm cravada no peito a lança da solidão. Ávidos e legendários, amam-se entre si quando a luxúria do vizinho não sacia seu desejo. São eles o princípio da lenda. ... Na bagagem de cada um, desde Úrsula até o último dos Buendía, concentram-se maravilhas, prodígios, milagres", disse Nélida Piñon.

CRIAÇÃO: Vendeu cerca de 40 milhões de exemplares em mais de 30 idiomas.

O QUE GOSTARIA DE TER SIDO: Gabriel García Márquez, o soube há muitos anos em Zurique, quando uma tempestade de neve o levou a um bar, segundo conta Eligio García Márquez em uma reportagem. "Tudo estava na penumbra, um homem tocava piano na sombra e os poucos clientes que havia eram casais de namorados. Nessa tarde soube que se não fosse escritor gostaria de ser o homem que tocava o piano sem que ninguém visse seu rosto, só para que os namorados
se quisessem mais."

Para ler esta matéria na íntegra, clique aqui.

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