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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ironias das minorias

Crônica de Nelson Motta (via e-mail)

Como homem, branco, heterossexual, com mais de 60 anos, solteiro, e ainda por cima fumante, me sinto como minoria das minorias e sem as proteções que a maioria das minorias hoje desfruta no Brasil.

Pena que meus afro-ascendentes não tenham me legado melanina suficiente para ter cotas na universidade e na administração pública, e talvez até reivindicar uma bolsa-quilombola. Pena que os meus ascendentes portugueses, espanhóis e austríacos não sejam tão próximos para me proporcionar um passaporte europeu. Sou um autêntico vira-lata, como o das filhas do Obama. Para piorar, não faço parte de partidos políticos, sindicatos, igrejas, seitas, clubes ou torcidas organizadas. É dura a vida de minoria.

A simples opção pela independência já pode ser mal vista, como individualista, alienada, egoísta, não-solidária, neoliberal e até mesmo de direita. O ato banal de fumar um cigarro, mesmo em ambiente aberto, está virando uma falha de caráter. Alguém tão fraco, tão burro e sem força de vontade, que não consegue abandonar um veneno que o mata.

O coitado é condenado unanimemente por sedentários, hipertensos, cardíacos, coléricos, devoradores de junk food, que bebem, trabalham em condições estressantes, tomam remédios para dormir ou para acordar, mas não fumam.

Tenho um amigo que faz caminhadas e natação todos os dias, se alimenta saudavelmente e está em excelente forma. Quando o elogiam, responde com um risinho cínico: é só para poder fumar.

Meus pais estão com 88 anos cada um. E continuam fumando e bebendo. Pouquinho, é verdade, mas todo dia, e gozam de boa saúde, graças a Deus e aos mistérios da vida. Espero que esta herança maldita - já nasci com vontade de fumar - também contribua para maior resistência do meu organismo aos danos da nicotina. Pelo menos não bebo, o que me coloca em mais uma minoria brasileira.

Uma rara alegria em minha vida minoritária tem sido a fila preferencial de idosos nos caóticos aeroportos brasileiros. Que tranqüilidade, que rapidez, que delícia, imagino como devem se sentir os políticos e as minorias que desfrutam de tantos outros privilégios.

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