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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

O poder das charges

Do site Comunique-se

A publicação de charges no jornal dinamarquês Jyllands Posten, associando o profeta Maomé ao terrorismo, foi o ponto de partida para uma onda de represálias violentas no mundo islâmico. Os desenhos foram republicados em veículos de diversos outros países e, em pelo menos oito países islâmicos, protestos contra as charges terminaram em confrontos que já somam algumas dezenas de mortes.

Todos esses conflitos levantam a questão de até que ponto uma charge é válida como instrumento de crítica. Ique, chargista do Jornal do Brasil, afirma que é preciso bom senso ao produzir uma charge.

- A charge é a primeira coisa a ser vista num jornal, independente da qualidade do texto. É que a imagem tem uma linguagem internacional.

Segundo Ique, essa visibilidade carrega consigo a responsabilidade que deve estar presente no trabalho do chargista. "Desde que você mantenha uma linha ética e a coerência, você pode criticar praticamente tudo. Mas o chargista deve manter o bom senso e não ser irresponsável. Se o profissional tiver conteúdo, ele vai poder responder por aquilo que fez".

Apesar disso, ele lembra também que o papel das charges é fundamentalmente criticar algo e que por isso a melhor charge é aquela que gera polêmica. "Pode não agradar a todos, mas desde que seja feita com conteúdo, coerência, bom senso, humor, crítica e emoção, não deve haver problemas. Muitas vezes os chargistas são frios, não realizam o trabalho com emoção".

Chico Caruso, cartunista do Jornal Nacional, da TV Globo e do jornal O Globo, acredita que o limite ético aceitável para uma charge é "o do desenho de humor, você tem que fazer um negócio que seja bem feito, inteligente e que sirva à ética e ao pensamento. Se cairmos nesse terreno e começarmos essa guerra com humor para os dois lados, será bom porque esvaziaríamos o potencial de violência que estão tentando usar".

Caruso ainda aponta que as charges originais de Maomé surgiram por um motivo prosaico: os editores do jornal perceberam que não existia um livro infantil com a imagem de Maomé e propuseram aos ilustradores o trabalho, que se negaram a realizá-lo. Os chargistas assumiram então a função como desafio e adicionaram algumas piadas.

- Não teria tido essa repercussão se não tivesse sido utilizada por alguns líderes e governos para radicalizar.

Loredano, cartunista de O Estado de São Paulo, com de 33 anos de carreira, acredita que a fronteira adequada para um cartunista é fluida, mas ele atenta também que o ideal é ater a crítica à pessoa pública, sem atingir o ser humano por baixo dela. No caso específico das charges extremistas, ele afirma que "você tem que respeitar o credo alheio e é óbvio que nem sempre acontece isso. É uma enfermidade endêmica da humanidade se meter com a fé alheia".

Além daquelas censuradas no tempo da ditadura, Loredano se recorda de apenas um desenho seu que foi alvo de críticas violentas.

- Eu fiz o ditador da Guiné Espanhola, Teodoro Obiang, um sujeito que é canibal. Ele literalmente come os adversários. Então eu fiz o camarada com ossos na cabeça, aquelas coisas. Houve uma chuva de cartas para a redação, mesmo eu já tendo feito coisas muito piores contra políticos brancos, mas ali entrou um pouco da culpa do homem branco em relação à África negra.

Retratação

Dia 09/02, o Jyllands Posten se desculpou pelas charges publicadas em suas páginas que originaram essa onda de conflitos. "Nós não compreendemos em momento algum a extrema sensibilidade dos muçulmanos que vivem na Dinamarca e a de outros muçulmanos no mundo em relação a esta questão", diz o texto assinado por Karsten Juste, diretor de redação do jornal.

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