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domingo, 5 de agosto de 2007

Cinema mudo

Da Folha Online

O diretor de Redação da mítica Cahiers du Cinéma, a principal revista de cinema do mundo, acha que Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni não deixaram herdeiros. Em entrevista à Folha, Jean-Michel Frodon, que está a frente da publicação desde 2003, diz que Bergman teve a rara habilidade de ser mestre em dois domínios diferentes: o cinema e o teatro. O crítico francês também acha que a investigação plástica de Antonioni, principalmente em relação às cores, não teve seqüência com outros cineastas.

Ainda que reconheça a enorme perda de dois dos principais cineastas da história do cinema na última segunda-feira, Frodon considera que existem grandes mestres da geração deles em atividade, como Alain Resnais e Jean-Luc Godard. Frodon (1953) edita a revista que apontou nos anos 50 o então jovem cineasta sueco como uma grande promessa do cinema. Era uma ousadia na época. A "Cahiers" também reservou espaço generoso para Antonioni, que então se afastava do neo-realismo italiano. O que se seguiu é história.

FOLHA - As mortes de Bergman e Antonioni representam de alguma forma o fim do "grande cinema"?
JEAN-MICHEL FRODON - Não, de jeito nenhum! Cada geração reconhece e lê os seus grandes mestres. É claro que os dois então entre os maiores nomes da geração que apareceu entre os anos 50 e 70. São artistas imensos, mas acredito que dentro de 15 anos estaremos falando de cineastas de hoje com a mesma nostalgia, como, por exemplo, Martin Scorsese, Hou Hsiao-hsien ou Abbas Kiarostami...

FOLHA - Ingmar Bergman deixou herdeiros?
FRODON - Ele deixou o desejo de filmar, a confiança no cinema como meio para filmar coisas que se acreditava impossíveis. Desse ponto de vista, tem um papel muito importante para as gerações que vieram depois dele. Mas não deixou uma uma escola ou mesmo discípulos. Wim Wenders, Brian de Palma, André Téchiné e Nagisa Oshima não teriam feito seus filmes da mesma forma sem Bergman. Mas eles produzem seus próprios filmes, não fazem cinema como Bergman.

FOLHA - E Antonioni? Deixou herdeiros?
FRODON - Eu não creio que exista hoje um cineasta "antonioniano"...

FOLHA - Nem no cinema oriental? Wong Kar-wai e outros não se inspiraram nele?
FRODON - Não acho. O que há em comum entre Wong Kar-wai e Antonioni é o desenho, o grafismo, não o cinema. Antonioni era pintor, desenhista. E Wong Kar-wai é também um grande desenhista. Mas é diferente a forma como lidam com as histórias, com o corpo, com o tempo. Não acho que se deva procurar comparações. Elas são importantes, mas para mim é mais importante compreender o que diferencia os cineastas, e não o que os une. Para Wong Kar-wai, que eu conheço muito bem, acho que a cultura chinesa tem uma dimensão muito importante, completamente diferente da visão de mundo de Antonioni, que era muito européia. Basta ver como ele enxergou a China quando fez um documentário lá ("China", de 1972). Ele teve uma visão de pintor renascentista, não entendeu nada. Mas viu coisas muito belas com seu olhar.

FOLHA - Outros teriam hoje a capacidade de Bergman de atuar também com ópera, televisão ou teatro?
FRODON - Ele foi mestre de dois domínios artísticos diferentes, ainda que ligados: o cinema e a dramaturgia, que envolve tanto o teatro quanto a ópera. Conheço muito pouco seu trabalho de teatro, só vi algumas montagens. Mas acho que hoje poucas pessoas poderiam trabalhar de forma tão convincente com teatro e com cinema. Pode-se dizer, por exemplo, que Kiarostami sabe trabalhar com cinema, fotografia e vídeo. No caso de teatro e cinema, também houve Orson Welles, talvez Marcel Pagnol ou Rainer Werner Fassbinder. Mas a lista é muito curta.

FOLHA - Antonioni antecipou o cinema digital com "O Mistério de Oberwald" (1981), feito em vídeo?
FRODON - Ele era muito interessado pela pesquisa plástica da imagem. Para mim, a pesquisa mais importante e extraordinária nesse sentido foi "Dilema de uma Vida" (ou "Deserto Vermelho"), pelo trabalho com cores, utilizando-as para contar uma história. Em seguida ele enxergou, não sozinho, mas antes de muitos outros, as possibilidades do vídeo, principalmente em termos de cor. Era alguém que tinha a dimensão do pintor. Acho que é um tipo de exploração que não teve seqüência no cinema. O único que fez algo da mesma natureza foi Kurosawa.

FOLHA - Quais são os principais filmes de Bergman?
FRODON - Sua filmografia é tão longa e genial... Para citar só alguns, diria "Monika e o Desejo". Acho que ele é muito importante, o primeiro filme verdadeiramente de juventude, moderno, da história do cinema. Mostrou em 1953 essa revolta sem palavras. Antecipa o que se tornaria um arquétipo do cinema nos anos seguintes. Veio antes de James Dean, de Marlon Brando, do rock and roll, da nouvelle vague e dos cinemas novos de todo o mundo... É exemplar de algo que também havia em Antonioni, mas em outro sentido: utilizar as lições do neo-realismo italiano não para olhar a sociedade, mas para mergulhar na alma humana. Depois desse filme, há uma lista enorme de obras-primas... É um pouco banal listar todos os títulos, mas acho que os seus dois últimos filmes são subestimados: "Sarabanda" (2003) e "Na Presença de um Palhaço" (1997). Para mim, são duas obras-primas, com inacreditável liberdade, profundidade e leveza. Têm humor negro e grande generosidade ao mesmo tempo. Espero que ainda sejam reavaliados.

FOLHA - E os principais de Antonioni?
FRODON - Acho que "A Aventura" é o filme que simboliza a revolução moderna. É extraordinário, para rever sempre."O Dilema de uma Vida" é uma aventura estética única. "Blow-Up" está na origem de muita coisa feita no cinema americano nos anos 70 e 80, influenciou Francis Ford Coppola, Brian de Palma, Steven Spielberg e David Cronenberg. Também gosto muito de "Identificação de uma Mulher" (82), que é emocionante e permanece misterioso até hoje.

FOLHA - Se tivesse que nomear, quem seriam os principais cineastas vivos hoje?
FRODON - Da mesma geração de Antonioni e Bergman, eu citaria Jacques Rivette. Jean-Luc Godard está preparando três filmes ao mesmo tempo... Chris Marker. Alain Resnais prepara um filme. Eric Rohmer também tem um filme recente. Fora da França, Manoel de Oliveira é um caso à parte, pois, apesar de idoso, é um jovem cineasta... Nos EUA, citaria Coppola, Clint Eastwood e Scorsese. Na China, citaria Hou Hsiao-hsien. Sem dúvida, Aleksandr Sokúrov e Kiarostami. E, de uma certa forma, Woody Allen, Cronenberg, David Lynch. Não citei Pedro Almodóvar, mas também é um grande cineasta.

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