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domingo, 19 de agosto de 2007

A última entrevista de Joel Silveira

Por Felipe Cruz

Há uns três anos ganhei de presente de algumas amigas jornalistas o livro "A Milésima Segunda Noite na Avenida Paulista" do desconhecido (para mim, claro) Joel Silveira. Olhei com certo estranhamento aquela capa preta e não dei muito crédito para o que eu poderia encontrar ali. Agradeci as minhas amigas pelo presente e imaginei que por se tratar de jornalistas elas com certeza saberiam me presentear com uma boa obra literária ou, como foi o caso, com um espetacular livro sobre jornalismo. Foi nessa época que conheci o nome Joel Silveira e desde então passei a admirar o trabalho que este repórter desenvolveu ao longo de 60 anos de puro jornalismo.

Confesso que meu desejo era visitá-lo pessoalmente e talvez, quem sabe, conseguir um autógrafo no livro que me despertou o gosto pelo jornalismo literário. Infelizmente não foi possível visitá-lo, pois Joel, ao longo de seus 88 anos já não se sente tão à vontade para receber as pessoas em sua casa. Não tem problema, Joel com uma simpatia ímpar, me atendeu ao telefone e com a maior paciência do mundo ouviu minhas perguntas resultando em um ótimo bate-papo. Foram apenas 15 ou 20 minutos de conversa. Por delicadeza e respeito a saúde de Joel não quis me estender para não perturbá-lo além do necessário.

Joel Silveira é uma dessas raras pessoas que para descrevê-las é impossível não cair na tentação de utilizar clichês e adjetivos. Como, por exemplo, falar sobre um jornalista que tem em seu currículo a correspondência da Segunda Guerra Mundial, entrevistas com cinco presidentes, inclusive Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, sem cair no lugar comum de dizer que ele é um dos mais importantes jornalistas brasileiros e testemunha ocular da história? Joel, era na realidade, um exemplo do que poderíamos chamar de "Enciclopédia Ambulante", o que ele falava é porque ele tinha visto.

Como se não bastasse simplesmente o fato de ter presenciado a Segunda Guerra, ele também foi correspondente internacional por anos, quando teve a oportunidade de conhecer pessoalmente três Papas. Além disso, trabalhou para um dos mais importantes empresários da comunicação brasileira, Assis Chateaubriand, nos Diários Associados. O apelido: "Víbora", foi dado, inclusive, pelo próprio Chatô, e deve-se ao fato de Joel, em sua carreira de jornalista, ter se orgulhado de cultivar com suas reportagens mais desafetos do que aliados. Manuel Bandeira, por exemplo, descreveu seu estilo como "uma punhalada que só dói quando a ferida esfria".

Simpático ao extremo, Joel Silveira, conversou comigo sobre política nacional, violência no Rio de Janeiro, seus novos livros e a sua experiência na Segunda Guerra Mundial. Sua especialidade era mesmo contar a história já que muita coisa relevante literalmente aconteceu bem em frente aos seus olhos. Modesto também, Joel não se considerava como ícone do jornalismo nacional e maior expoente do jornalismo literário e sim "um bom datilógrafo".

Joel Silveira há oito anos não escrevia mais nada porque sofria de catarata e de uma doença que o deixava com as pernas muito inchadas. Por isso, ele quase não saía de seu apartamento. "As notícias chegam até a mim, eu não vou mais às notícias. Porque eu não tenho mais condições. Também eu estou muito velho, estou com 88 anos", justificou. Mesmo assim ele conseguiu reunir material para lançar nos últimos anos dois importantes livros, editados pela Companhia das Letras, sobre a história brasileira: "A Milésima Segunda Noite na Avenida Paulista" e "A Feijoada que Derrubou o Poder".

Dono de uma crítica ácida, ao longo da vida disparou críticas a quem achou que merecesse. O gosto pela maledicência continuava o mesmo, e não perdoava nem personagens inofensivos como os alpinistas, os turistas e os tocadores de cavaquinho. Sobre o Brasil ele dizia: "O Brasil me lembra uma bomba-relógio feita às pressas e de mecanismo defeituoso. Dessas que nunca explodem".

É curioso ler as respostas que ele costumava dar, pacientemente, à pergunta-clichê que lhe faziam quase todos os entrevistadores: "Que reportagem você gostaria de fazer hoje?" Silveira respondeu que seu sonho era cobrir a guerra do Kosovo. Tempos depois o assunto era outro, e outra era a resposta: "Gostaria de escrever um perfil dessa moça, a Monica Lewinsky". Já respondeu que gostaria de fazer uma grande reportagem sobre a violência do Rio de Janeiro. E para mim disse que teria vontade de ir para o Iraque e cobrir a guerra de lá. "Hoje o assunto é o homem da Al Qaeda, o Bin Laden. Hoje eu gostaria de entrevistar o Bin Laden", revela. Como sempre, a Víbora, gostava mesmo de encrenca.

A entrevista

Você como uma testemunha ocular da história, você já viu muita coisa...
Eu conheci cinco presidentes da República.

É justamente sobre isso que queremos conversar. Para você, que já entrevistou Getúlio Vargas, por exemplo, de Getúlio até os dias de hoje o que melhorou ou piorou na política brasileira?
Piorou muito. Porque o Getúlio, apesar de ditador, era um homem honesto, pessoalmente honesto. Aliás, todos os ditadores militares eram pessoalmente honestos. A ditadura militar neste ponto de vista você não pode dizer nada. Foram tiranos, perseguiram, prenderam, torturaram, mas eram figuras honestas. Castello Branco, Garrastazu Médici, João Baptista Figueiredo e Geisel, apesar de tudo eram pessoas honestas. De lá para cá a coisa piorou muito. Você está vendo o caso do Renan Calheiros e o ex-governador do Distrito Federal, Roriz. Estão todos aí, uma coisa terrível.

Em uma entrevista, você disse que nunca gostou de Getúlio.
Não, nunca gostei. Porque o Brasil no século XIX teve Rodrigues Alves, que foi um grande estadista. E no século XX teve Getúlio, que foi o homem que deu início à industrialização do Brasil. Teve também o Juscelino Kubitschek que fez Brasília e fez, principalmente, a estrada Brasília-Belém. Com essa estrada o Brasil recuperou todo o miolo deserto onde não havia nada, naqueles descampados terríveis do cerrado.

E na sua opinião porque eles foram grandes estadistas?
Porque, você sabe, no Brasil, Rodrigues Alves modernizou, principalmente no Rio de Janeiro, foi no governo dele e do Pereira Passos que transformaram o Rio em uma capital. Aqui era uma cidade incrustada entre morros. Eles abriram a Avenida Central, depois Getúlio abriu a avenida que hoje tem o nome dele. E sem dúvida, foram eles, no século XIX o Rodrigues Alves e no século XX o Getúlio e Kubitschek.

A gente pode supor que você conheceu dois tipos de Rio de Janeiro, o primeiro como capital da república, considerada a Cidade Maravilhosa. O Rio de Janeiro atual, com uma infinidade de favelas, violência, assalto...
É terrível. Hoje, o Rio de Janeiro, segundo a Unesco, é a cidade mais violenta do mundo. Eu sempre morei aqui em Ipanema e Copacabana, você saía à noite, ia para o Arpoador, dava duas, três horas da madrugada, geralmente quando tinha alguma lua cheia eu gostava de ver. Enfim, não acontecia nada. Hoje você não pode nem sair de dia. A cidade está sitiada.

Você já sofreu algum tipo de violência ou assalto por aqui?
Não, felizmente não. Nunca, nunca sofri. Eu sou exceção, né!?

Você disse em outra entrevista para a revista Imprensa que depois de cobrir a Segunda Guerra e testemunhar um monte de mudanças, se tivesse 20 anos novamente teria vontade de ir para o Iraque e entrevistar Saddam Hussein e Bin Laden.
Claro! Porque é o assunto. Hoje o assunto é o homem da Al Qaeda, o Bin Laden. Hoje eu gostaria de entrevistar o Bin Laden.

E que pergunta você faria para ele?
Para saber exatamente o que ele pretende, porque o Bin Laden é um homem milionário. Inclusive aparentado com a família da Arábia Saudita. Então como é que esse homem riquíssimo, que poderia ter uma vida de luxo, vive encurralado lá nas montanhas do Afeganistão e doente. E essa coisa de destruir como fez com as Torres Gêmeas em Nova York. Gostaria de saber exatamente isso: Quem é ele e o que ele pretende com isso.

Que lição de vida você pode passar para a gente depois de cobrir guerras e ser correspondente internacional em vários países, pela revista Manchete?
É, exato. Pela Manchete, pelo Diário de Notícias, principalmente pelos Associados, do Chateaubriand. Certa vez, em Roma, eu estava conversando com o Herbert Matthews, grande jornalista que depois foi diretor do New York Times. Ele tinha feito, ao lado do Hemingway, a cobertura da guerra da Espanha, a guerra civil. De modo que ele falava muito bem espanhol. E eu era o correspondente mais jovem, tinha 26 anos, de maneira que ele se encheu de afeto por mim, tratava como ele fosse meu pai. Sempre que eu estava lá ele me chamava para conversar. Um dia eu perguntei para ele: "Mr. Matthews, que conselho o senhor daria para ser um bom repórter?" E ele respondeu: "Olha Silveira, são três. Primeiro: paciência; Segundo: insistência e Terceiro: sorte". Aí eu disse para ele: "Mas Mr. Matthews você tendo a terceira, você tem as outras duas". E ele respondeu: "Você tem razão". Foi o conselho que ele me deu e é o conselho que eu dou a todos os jovens repórteres que me procuram e fazem essa pergunta que você está me fazendo agora.

Hoje em dia os jornalistas não vão muito para rua, ficam na redação...
É porque hoje você faz uma guerra do bar, né!? E esta tudo lá, tem Internet, os meios de comunicação hoje são fantásticos.

Você acha que isso prejudica a reportagem?
Até a Segunda Guerra Mundial, o repórter, no meu caso e no caso do Rubem Braga, nós tínhamos que estar junto com as tropas. Não podia ficar no bar esperando que a notícia chegasse até a gente. A gente que tinha que ir atrás das notícias. E acompanhávamos os pracinhas nos postos mais avançados. Com um agravante, porque sofríamos os mesmos perigos dos pracinhas, dos soldados, mas não podíamos ter armas. Correspondente não pode usar arma, nem canivete. Porque se for preso é considerado franco atirador. Porque soldado quando é preso com arma não é fuzilado. Corríamos os mesmos perigos dos pracinhas mas sem o direito portar qualquer espécie de arma.

Você chegou ver alguma batalha de perto na Itália?
Claro! Eu fui o primeiro correspondente a chegar ao Monte Castelo. Depois vi Montese. E no dia 29 de abril de 1945 eu vi o Mussolini espetado, o Starace, o Pavolini, a amante do Mussolini. Todos eles pendurados em uma haste em um posto de gasolina. Aí é que eu pensava comigo: Puxa vida! Durante 22 anos esses homens dominaram essas terras. Olha ao que estão reduzidos. Todo mundo jogando pedras. Ficou lá o dia inteiro, depois tiraram e enterraram e sumiram com os corpos, até hoje ninguém sabe. Só quatro anos depois é que o governo italiano, na democracia cristã, devolveu o corpo de Mussolini para a mulher dele, a Raquele Mussolini. Ela o enterrou onde ele nasceu.

O jornalista Geneton Moraes Neto...
Esse é um grande repórter! Para mim, hoje, é o maior repórter do Brasil.

Ele tem um blog, onde ele escreve periodicamente e publica as "Pílulas de Vida do Dr. Silveira”.
É exato.

Pego um exemplo publicado recentemente escrito pelo senhor assim: "É mais decente emagrecer do que engordar no poder. Sem falar que dá menos na vista”.
Engorda no poder porque está roubando! Isso depois o Geneton manda também para a revista Continente lá de Pernambuco e é publicado lá.

Como é essa sua experiência de ter acompanhado o jornalismo brasileiro nos primórdios e hoje publicar essas pílulas de vida na internet?
Há oito anos que eu não escrevo nada. Estou paralítico e fico aqui em casa o dia inteiro. Estou ouvindo agora música clássica. Ouvindo os telejornais... As notícias chegam até mim, eu não vou mais às notícias. Porque eu não tenho mais condições. Também eu estou muito velho, estou com 88 anos.

Sobre a questão da portaria 264, que regulamenta a classificação indicativa nos filmes e programas de TV? Essa portaria poderia ser futuramente transformada numa espécie de censura prévia?
Isso é um perigo, um perigo. A intenção pode ser boa mas é perigosa.

A portaria 264 pode ser um caminho para levar a censura?
Não tem dúvida, não tem dúvida, não tem dúvida!

Sobre seus livros mais recentes, você publicou "A milésima segunda noite na Avenida Paulista" e a "A Feijoada que Derrubou o Poder", que fala a respeito da feijoada que aconteceu dias antes do golpe militar?
Exatamente, aconteceu na véspera do golpe.

Como foi essa história?
Foi na casa do João Pinheiro Neto, que era ministro do Trabalho e estava chefiando a reforma agrária. No almoço estava o Brigadeiro, o Ministro da Aeronáutica, o Ministro da Guerra. Estava toda a cúpula do Jango. E eles diziam: "Se o avião subir nós derrubamos!", e o Almirante dizia "Se o navio sair eu não deixo passar do porto". E nada disso! No dia seguinte veio a revolução e foi conversa fiada. Eles não sabiam de nada na véspera do golpe.

Para ler a matéria completa, clique aqui.

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1 Comments:

At 20/8/07 10:56, Blogger Unknown said...

Cara, obrigado pelo link. Abraços!

 

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