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quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Artistas de Nova York fogem para a Alemanha



Leonard Cohen cantou que: "Primeiro vamos tomar Manhattan, depois Berlim". Agora muitos artistas de Nova York estão fazendo exatamente isso, dando as costas aos aluguéis excessivos e ao conservadorismo sufocante da cidade pós 11 de setembro para cavar um nicho na próspera cena artística de Berlim.

Do Der Spiegel

Quando David Krepfle deixou sua pequena cidade no Iowa e mudou-se para Nova York, em 1989, tinha US$ 100 (em torno de R$ 200) no bolso e sonhos de se tornar um artista. Ele encontrou um loft no bairro do Brooklyn chamado de Dumbo (das iniciais em inglês para ao sul do viaduto da ponte Manhattan). Na época, era o tipo de região onde ninguém ligava se ele usasse um serrote para fabricar suas peças - apesar de freqüentemente ser seguido por bandidos quando ia do metrô para casa.

Com o tempo, entretanto, o bairro tornou-se o lugar mais quente para se morar em Nova York, e o aluguel de Krepfle aumentou e ficou difícil de manter. Foi então que visitou Berlim em 2001 - e ficou tão impressionado que ele entrou para as fileiras dos artistas de Nova York fazendo o êxodo para a capital alemã.

"Parecia Nova York de 20 anos atrás", diz ele, lembrando-se da sua primeira visita à cidade. "Tinha a mesma energia, o mesmo tipo de loucura e submundo, como Nova York naquele tempo".

Krepfle, que já vive em Berlim há um ano, faz parte de um número crescente de artistas americanos que estão deixando Nova York para estabelecer sua base permanente na Alemanha. Mais de 10.000 americanos hoje moram na capital alemã - um número que cresceu constantemente na última década.

Os artistas de Nova York resolveram se mudar por uma combinação de fatores, que inclui a alta dos aluguéis, a diminuição das oportunidades e uma sensação crescente que o momento em que a cidade foi central para o mundo das artes passou do apogeu. Já se foram os dias quando pintores nascentes como Jasper Johns e Robert Rauschenberg podiam alugar um loft enorme em Manhattan por apenas algumas centenas de dólares por mês. Hoje, os mesmos lofts são alugados por mais de US$ 5.000 (cerca de R$ 10.000) e vendidos por milhões, forçando os artistas a saírem de Manhattan para os bairros mais afastados. Mas mesmo no Brooklyn, os espaços que eram alugados por centenas de dólares há apenas uma década hoje custam 10 vezes mais.

Krepfle agora paga 500 euros (cerca de R$ 1.400) por mês de aluguel de um estúdio no distrito de Friedrichshain, no ascendente leste de Berlim. Com 46 anos e ar de menino, ele balança a cabeça e se maravilha com a diferença entre seu estúdio, de frente para a rua arborizada e tranqüila, e o loft em Dumbo, onde ele morava diretamente sob a ponte de Manhattan e tinha que agüentar o barulho industrial constante.

"Esta é a primeira oportunidade que tive na minha vida de só fazer arte, um lugar onde não tenho que me preocupar tanto em pagar uma conta de luz enorme ou um super aluguel", diz ele. "Isso me dá a oportunidade de verdadeiramente me concentrar na arte".

Faz um ano desde que Krepfle vendeu todos seus pertences e mudou-se para Berlim. Nesse tempo, ele encontrou um lar e inspiração. As paredes do estúdio estão cheias com o trabalho que fez aqui: imagens coloridas do tamanho de caixas de cereal com eventos contemporâneos interpretados por sua lente única. Figuras mundiais como Kim Jong Il, da Coréia do Norte, e Saddam Hussein são justapostas com imagens de globalização, de consumismo e do aumento do fundamentalismo radical de todos os sabores.

E talvez não seja inteiramente uma coincidência que há um elemento político na arte de Krepfle. Não é apenas o aluguel barato que está estimulando artistas a virem para Berlim - muitos artistas de Nova York estão saindo porque sentem que o lugar pelo qual se apaixonaram mudou de forma fundamental.

"Não sou doido para morar nos EUA enquanto George W. Bush é presidente", diz David Henry Brown Jr., pintor e artista performático que recentemente fez uma apresentação de um homem só em uma galeria em Berlim. O ambiente intelectual de Berlim é "realmente aberto", diz ele. "Sinto que tirei as algemas que estavam se desenvolvendo em Nova York".

Para muitos artistas, o evento que os alienou dos EUA foram os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e suas conseqüências. Apesar dos ataques parecerem unir a nação, para muitos na esquerda foram o início de um período reacionário na história americana, que os fez sentirem-se cada vez menos bem vindos em seu próprio país. "Você tem uma transição, especialmente catalisada por 11 de setembro, na qual Nova York se torna marionete corporativa", diz Brown, cheio de ressentimento.

Artista e diretor de cinema experimental nascido no Alasca, Reynold Reynolds concorda. Ele sente que os ataques de 11 de setembro "tornaram a cidade muito mais conservadora, menos tolerante, cada vez mais um lugar de paranóia". Ele morou em Nova York por 11 anos - inclusive 11 de setembro - antes de vir para Berlim, em 2004 com uma bolsa da Academia Americana. "Algumas das coisas que fiz em Nova York hoje seriam completamente impossíveis", acrescenta, observando que jogar bonecos de pontes provavelmente o levaria à prisão, em vez de obter uma crítica no New York Times. "Berlim é um lugar muito mais inspirado para ser artista", diz ele - tanto assim que decidiu assinar um contrato de aluguel de cinco anos.

O teórico e arquiteto ambiental Peter Fend, que tinha um estúdio no World Trade Center, é outro cuja decisão de deixar Nova York foi influenciada por 11 de setembro. "Minha reação ao evento todo foi de raiva imediata com a política externa americana", diz ele. Fend veio para a Alemanha pela primeira vez em 1984, e sua opinião da Europa e Berlim, onde mora há dois anos, talvez seja mais pragmática que a da maioria.

"Vou aonde sou bem vindo", diz ele, expressando frustração com a obsessão do mundo artístico nova-iorquino em fazer o que ele chama sarcasticamente de "happy art", depois dos ataques terroristas. "Não há amor pela Alemanha. Há alguma apreciação pelo lugar onde estamos, mas não posso dizer que estou adorando. É apenas um lugar para se exilar".

No entanto, com os aluguéis em Nova York aumentando inexoravelmente, e a insatisfação crescente tanto com o governo atual quanto com a comercialização crescente do mundo da arte, parece provável que cada vez mais artistas decidirão fazer a mudança para Berlim.

E, ao menos para alguns, a cidade alemã tem uma atração própria. "Minha fantasia sempre foi Nova York e depois Berlim", diz Krepfle, com um sorriso no rosto.

Publicado no UOL Mídia Global.

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