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domingo, 17 de agosto de 2008

O máximo do mínimo

Crônica de Nelson Motta (via e-mail)

Por sorte, devoção e algum esforço, devo estar entre os fãs que mais assistiram a shows de João Gilberto nos últimos 40 anos - a maioria dos 35 ou 40 que ele fez. Não só no Brasil, onde assisti a quase todos os do Rio e de São Paulo. Também tive a sorte de estar morando na Itália nos anos 80, quando João fez alguns concertos na Europa, não só em Roma mas em Paris e Montreux, onde fui aplaudi-lo. O de Lisboa, perdi.

Nos anos 90, ele fez uns três ou quatro shows em Nova York, onde eu morava, e também em Miami, para onde voei. Meninos, ouvi. E nunca o ouvi desafinando ou atravessando o ritmo, como já vi ocorrer até às melhores vozes. Também por sorte, não fui a São Paulo para o célebre não-show do "vaia de bêbado não vale".

Em 55 anos de carreira, suas obras completas não passam de 16 discos, cerca de 200 músicas, várias delas em diversas versões: o melhor repertório jamais gravado por um intérprete brasileiro, a mais bela e rigorosa antologia de nossa música popular.

Como raros artistas modernos, João Gilberto tem, e pode e deve ter, plena consciência de sua genialidade, da história e da posteridade. E de preservar sua obra. Daí o extremo rigor e parcimônia nos shows e gravações, a exigência extrema no som da voz e do violão: se João Gilberto fosse um ser mitológico, seria metade homem e metade violão, indissolúveis em sua arte, o máximo do mínimo.

Ao contrário de um cantor com uma orquestra ou grupo, quando qualquer falha se dilui na sonoridade coletiva, com voz e violão o menor detalhe é do tamanho do todo. Como um rio musical, nunca se ouve João cantando a mesma canção, ela sempre soa nova e cheia de bossa. Porque ele é mais do que um intérprete, o maior deles: é o autor de um novo mundo musical.

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