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sábado, 12 de maio de 2007

Fernando Meirelles ou Jean-Luc Godard?

Publicado no Ilustrada no Cinema

"Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, é melhor do que "Acossado", de Jean-Luc Godard? Sim, respondem os leitores do diário inglês The Guardian. O jornal londrino fez uma enquete em seu site em que perguntava: Qual o melhor filme de todos os tempos não falado em inglês? O resultado foi publicado hoje, e o filme sobre o surgimento do tráfico em uma favela carioca ficou em quarto lugar, enquanto o clássico da nouvelle vague apareceu na sexta posição.

Mais de 2.500 pessoas enviaram seus votos, e cerca de 500 filmes foram citados. E quem ficou em primeiro? O bonitinho (mas ordinário) "Cinema Paradiso", do italiano Giuseppe Tornatore, seguido por "O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain", do francês Jean-Pierre Jeunet, e os "Sete Samurais", do japonês Akira Kurosawa. Dá pra levar a sério? Nem o pessoal do "Guardian" gostou muito da seleção, e o crítico David Thomson lamentou a escolha do vencedor.

E o que o jornal disse sobre o quarto lugar para "Cidade de Deus"? A avaliação de Thomson, numa tradução livre:

"Primeiro, jovens estão votando e buscando nos filmes uma visão real do mundo. Segundo, essa busca se amplia à América Latina e às favelas do Rio, onde o filme de Meirelles é rodado. E, terceiro, jovens cinéfilos usam o filme como uma forma de focar sua raiva e desespero quanto às injustiças do mundo. Tudo isso também poderia ter sido dito sobre 'Os Esquecidos', de Luis Buñuel, feito em 1950 e um filme melhor. Mas 'Os Esquecidos' nunca despertou o mundo como 'Cidade de Deus' fez."

O filme de Meirelles não é o único brasileiro que aparece entre os 40 primeiros colocados: "Central do Brasil", de Walter Salles, é o 30º colocado, nove posições à frente de "A Regra do Jogo", outro clássico francês, este dirigido por Jean Renoir.

Pitaco do RA: A importância de um filme varia de acordo com um punhado de fatores. Entre eles, o nível cultural de quem o assiste, sua experiência de vida, traumas e/ou dificuldades na infância e na adolescência, gosto pessoal (e intransferível) por determinado assunto, senso estético (ou artístico), cultura cinematográfica, predileção por esse ou aquele ator ou atriz, estado de espírito e/ou fase da vida quando vê o filme pela primeira vez, etc, etc, etc...

Por isso, gosto imensamente mais de "A Rosa" (Mark Rydell, 1980) do que de "O Nome da Rosa" (Jean Jacques Annaud, 1986). Da mesma forma, prefiro "As Pontes de Madison" (Clint Eastwood, 1995) do que a grande maioria dos cultuadíssimos filmes da nouvelle vague. Loucura? Pode ser. Mas como roqueiro de nascença e fotógrafo de fé e de profissão, estes dois filmes - considerados, no mínimo, despretensiosos por cinéfilos de carteirinha - sempre me emocionaram muito mais do que os dramas existenciais dos jovens franceses nos anos sessenta ou os embates entre a ciência e a religião na idade média.

Assim, é de se esperar que muita gente discorde do resultado da votação dos leitores do "Guardian" (eu, particularmente, também acho um descalabro "Cinema Paradiso" em primeiro lugar). No entanto, a cada enquete dessas, o nosso "Cidade de Deus" se firma como o mais importante filme brasileiro de todos os tempos. Pelo menos para os ingleses. E para os americanos, os alemães, os franceses...

Já para os brasileiros, é bem possível que o filme de Fernando Meirelles perca - de longe - para o tétrico documentário "Di" do Glauber Rocha, que assisti, nos longínqüos anos setenta, no cineminha da Escola Parque, em Brasília. Naquela noite, enquanto muita gente aplaudia de pé os rasantes de uma câmera ensandecida sobre um defunto ilustre, eu esperava ansioso o início do filme "Gimme Shelter", dos Rolling Stones. Como se vê, meus antecedentes ditam as minhas escolhas. Assim no cinema como na vida.

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