Telenovelas ou realidades
Yoani Sanchez, desde Cuba
Nessa provável análise terá de ser incluída, sem dúvida, a tormentosa ficção de "A escrava Isaura". Aquela mulher mestiça que escapava de um senhor cruel, paralisou nosso país e fez com que, uma vez, os passageiros de um trem se negassem a embarcar enquanto transmitiam o último capítulo da novela. Inclusive, nos serviu de fonte de analogias entre o escravista que não dava liberdade à sua serva e os que atuavam como nossos patrões, controlando tudo.
Por esses mesmos anos as amigas de minha mãe se divorciaram em massa, guiadas pela independente personagem Malú, que criava sozinha uma filha e não se submetia a regras.
Chegou então o ano de 1994 e o maleconazo obrigou o governo a adotar certas aberturas econômicas, que se materializaram em moradias de aluguel, táxis particulares e cafeterias por conta própria. Nesse momento, tivemos próxima uma produção carioca que influiu diretamente na forma de nomear as novas situações.
Batizamos de Paladar o restaurante gerenciado por gente comum, como a empresa de alimentos criada pela protagonista de Vale Tudo. A história de uma mãe pobre que vendia comida na praia e terminou por fundar um grande negócio, parecia, a nós, como a dos récem criados "contapropristas", que adaptavam as salas de suas casas para servir pratos extintos décadas atrás.
Depois, as coisas começaram a se complicar e vieram séries onde camponeses reclamavam suas terras, mulheres cinquentonas faziam planos de futuro e repórteres de um jornal independente conseguiam ganhar mais leitores. Os roteiros desses dramas terminaram por ser - nesta Ilha - chaves para interpretar nossa realidade, compará-la com outras e criticá-la.
Daí que, três dias por semana, passo diante da televisão para ler nas entrelinhas os conflitos que rodeiam cada personagem, pois deles surgem muitas das atitudes que meus compatriotas assumirão na manhã seguinte. Terão mais ilusões ou mais paciência, em parte "graças" ou "por culpa" dessas telenovelas que nos chegam do sul.
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