Bastidores de um disco histórico
O escritor Ruy Castro, em longa matéria na revista Brasileiros, disseca a gravação de um clássico da bossa nova, o disco que revelaria ao mundo a música forjada nos apartamentos, nos bares e nas praias da zona sul do Rio de Janeiro no final dos anos 1950.
Ao texto original - publicado em seu livro "Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova" (1990) -, Castro adicionou detalhes saborosos do que aconteceu nas históricas sessões de gravação do disco. A seguir, os parágrafos iniciais (editados pelo RA) da matéria:
Nos dias 18 e 19 de março de 1963, dez pessoas - oito homens e duas mulheres - reuniram-se no A&R, um estúdio de gravação na Rua 48 Oeste, quase esquina com a Sexta Avenida, em Nova York, e criaram o álbum - LP, como então se dizia - que, para muitos, é o maior da bossa nova em todos os tempos. Ou o maior LP de bossa nova gravado fora do Brasil.
Claro que, enquanto o estavam gravando, eles não imaginavam o tamanho da façanha, e nem que o disco seria um divisor de águas na vida de todos os envolvidos. Alguns talvez apenas desconfiassem disso.
Esses homens e mulheres eram o sax tenor americano Stan Getz, 36 anos; o pianista e compositor brasileiro Antônio Carlos Jobim, também 36 anos; o violonista e cantor João Gilberto, 32 anos; o contrabaixista Tião Neto, também 32 anos; o baterista Milton Banana, quase 28 anos; a cantora Astrud Gilberto, esposa de João Gilberto, quase 23 anos, e Monica Getz, esposa de Stan Getz.
Os outros três homens no A&R eram o engenheiro de gravação Phil Ramone, 29 anos, dono do estúdio: o engenheiro de som Val Valentin, da mesma idade, e o produtor do disco Creed Taylor, 33 anos, da Verve Records. E o disco que entraria para a história da música é:
Mas havia também uma outra pessoa presente no estúdio A&R, o fotógrafo americano David Drew Zingg, 40 anos, autor da foto da contracapa do disco e das fotos da matéria da revista Brasileiros. É dele este registro histórico:
Sobre a frase de João Gilberto dirigida a Stan Getz que serve de manchete à capa de Brasileiros, Ruy Castro conta o seguinte:
João Gilberto não se satisfazia com a emissão (o sopro) de Getz, que achava muito enfática para a delicadeza da bossa nova. Por isso, a todo o instante interrompia a gravação, para obrigá-lo a começar de novo. Getz não entendia e João dizia entre dentes para Jobim, como quem mastigasse as sílabas:
"Tom, diga a esse gringo que ele é muito burro."
O americano perguntava a Tom o que João dissera, e Tom botava panos quentes:
"Ele está dizendo que é uma honra gravar com você."
"Engraçado", resmungava Getz, "pelo tom de voz, não parece ser isso que ele disse."
Mesmo assim, nesse clima pouco amigável, o quinteto conseguiu concluir a gravação das seguintes músicas:
1. Garota de Ipanema (Tom Jobim - Vinicius de Moraes) - Participação: Astrud Gilberto
2. Doralice (Antônio Almeida - Dorival Caymmi)
3. Para machucar meu coração (Ary Barroso)
4. Desafinado (Newton Mendonça - Tom Jobim)
5. Corcovado (Tom Jobim) - Participação: Astrud Gilberto
6. Só danço samba (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
7. O grande amor (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
8. Vivo sonhando (Tom Jobim)
Marcadores: bossa nova, João Gilberto, Stan Getz, Tom Jobim
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